para bianca
os quatro cadernos não pautados exilados na minha estante desconfigurados em notas borradas grafite cego em palavra sem casa anatomia das flores impressa em branco na capa escura, rosa, azul, verde heléboro, lírio, lobélia, crisântemo acantoados no ranço [é agora que ouço o teu melanoma timbrar incompreendido] a desafinar a terra espichando pétalas a dançar no céu feito gravetos ainda que não existam feixes de luz em que se possa encontrar espumas enfeita a tua imobilidade a engenhosidade do teu lastro a compressa fria dos dias separar o sangue das contas misturar a face no orvalho não há esperança em coisas compridas tece em linha costura as parte das tuas partes, garota é em sóis impossíveis que você enxerga é ali que a tua sombra galga cavouca a tua enchente sossega a tua jaula arrefece em teu peito a linguagem das tuas marcas não meça a inconcretude, menina você é a tua própria lápide. * não consigo mais acreditar em constelações em planetas distantes orbitando cidades sem luz. vírgulas e parágrafos e letras e pontos de interrogação a radiografia de um texto metafórico sobre o movimento dadaísta me mantém doente. tenho a impressão de ter estabelecido nós sistemáticos enrubesço com o mínimo artístico com a irrelevância. o degradante me converteu o sujo me expôs. quero revitalizar a minha incongruência tudo não é e deixou de ser. resvalo na autocomiseração. não ligo. não importa a métrica e a sonoridade de um poema. não importa a revolução que você planejou. não importa a complexidade lexical do teu vocabulário não importa o livro que você recomendou não importa o mapa que você traçou. não importa. não verto mais nada. * meu corpo é uma cordilheira cretina duas placas tectônicas que regressam do encontro um avião voando a oitenta mil pés sem o teto a estrutura de um prédio em decomposição um pedaço enorme de terra urrando por reforma agrária crise hídrica nas zonas industriais do peito um pássaro com duas pedras cravadas na asa direita cinco mendigos pedindo esmola na pedro ivo chacina numa tarde de verão na monsenhor celso hecatombe de sóis envelhecidos cardume que se perde dentro duma cachalote um funeral de artistas de rua irène jacob fumando um cigarro em a dupla vida de véronique deleuze sentado discutindo com foucault numa sauna a possibilidade do suicídio na lituânia três tristes tigres devorando guillermo cabrera infante a disposição histórica em destruir amores silenciosos uma fronteira de dez mil quilómetros entre a minha incapacidade de compreender silogismos e a sua maneira de interpretar o existencialismo em kierkegaard.
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Novembro 2021
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