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quando aquele primeiro feriu-te a pele com a ferrugem das espadas abriu-se o canal estreito por onde nosso sangue padece. mas enquanto houver pássaro que repouse ao relento e construa nas entranhas o abrigo para as horas serei a vibração na qual doem as palavras a memória a corrente demorada do canto até tuas veias * ninguém ouviu quando os primeiros pássaros tocaram o chão e as flores despertaram do sonho do tempo mas continuas a procurar esta canção antiga na memória das campinas e cresces lentamente com os teus ouvidos dispostos sob meus seios sabes que desejas um sítio tão imóvel quanto este e que toda a ideia de uma criança nasce a partir daí ardendo como um mistério e coberta com o sangue de um país encarnado fluindo em meio às parábolas do girar dos anos mas também sei que a tua infância se multiplica através do mesmo idioma e hei de separar nas tuas mãos o joio do trigo e cantar mais uma vez sobre os corações que pulsavam nos campos onde a fome era o desejo e as preces das manhãs reuniam a luz dos deuses sem nome e sem escuta deste mesmo céu dilacerado * é difícil o mecanismo do silêncio a princípio, as extremidades falam e o corpo inteiro é a morada do fogo não há uma só palavra que não tenha sido consumada não há um só espinho que não tenha entrado no coração dos homens e todas as flores crescem com o sangue dos amantes então os batimentos dançam como anjos machucando o solo as raízes não o sabem, mas por elas anunciam-se a morte, a beleza é por elas que os mortos nos ensinam a cair (os vivos é que não voltam) e que assim é o verbo dito ao seu tempo não se entende a sua face oculta nas noites desertam-se então as cinzas chamam ao vazio o seu lugar secreto feito de suor e ruínas de uma civilização insone mas é preciso cegar-se é preciso tatear no escuro o véu que jamais se rasga e no perfil agudo dos pássaros que ainda cantam forja-se um eco inventado para suportar o peso do interior do mundo
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Novembro 2021
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