Unidades de Medida
Como é que se medem graus centígrados de temperatura de pele, Ou o peso de uma queda súbita de estômago [coração], Ou até a nota floral do meu perfume? Como é que se mede o facto de o teu ter uma só nota? Como é que meço em centímetros a distância do teu pé à minha porta, Dos teus lábios ao meu olhar? [Um dia tentei fazer um cálculo para perceber como é que a travessia marítima se passou a medir em horas de voo. Quando os corações estão perto, o Google Maps prevê uma redução de um terço no tempo de viagem. A espera também é importante no Amor. A distância também é importante para Amar.] Como é que se mede – ou será que é só mesmo o peso que importa, E esse só pode ser medido numa balança de dois pratos Com aquelas miniaturas de cobre que se alinhavam na entrada de baixo ao longo da parede de tijolo. Tem que haver dois pratos, um de manhã e outro à noite, Duas medidas diferentes, seja pela quantidade de àgua que retenho no corpo ou pela falta de massa muscular, Dois pratos e dois corpos. Um antes e um depois. Como é que a medida das tuas mãos ser as minhas Se pesa E porque é que isso Me pesa? * “Mulheres que Escrevem” Ainda não descobri bem como é que isso se faz. Isto. Não gosto que me vejam, mas deixo cair os cabelos no chão como gotas de sangue se me sinto invisível. Se me sinto olvidável. Se me vejo olvidada. O dia vai chegar. Ele vai casar com uma outra mulher que não eu. Ele vai casar e enterrar todos os meus poemas e esperanças no altar de uma igreja bem frequentada, repleta de gente contente por o ver casar. Eu não hei-de casar. Eu hei-de nunca casar. Não é por vingança: é por incapacidade. O engraçado é que nunca quis ter outro cabelo, mas hoje pintava-me de cores. Agradecia uma oportunidade para desaparecer, camuflar-me, esgotar-me noutras paragens – talvez, até, paragens outras onde me ficasse a permanência. Onde me ficasse em permanência. Já não tenho nem paixão nem conteúdo, como é que é possível que me cresçam tão facilmente os seios e as ancas? Isso é coisa de mulher fecunda. E eu tenho a certeza da minha infertilidade. Num totoloto aleatório de vistas cansadas, de ideias cansativas e repetidas, isto é possivelmente aquilo que de pior já fiz a qualquer ser humano neste mundo. E fiz-me a mim própria. Se eu não sei sequer o que é que é ser mulher, como posso querer saber o que é ser mulher que escreve – como posso querer saber o que é escrever? * Poema para ser lido alto por outra voz que não a minha, enquanto a chuva te afoga o cabelo puxado para trás – “Os líricos”, como dizes “Os líricos”, onde me incluis com o sorriso de quem sabe – só para controlar o ambiente húmido cá dentro, só para condensar o espaço, só para manter a segurança de me poderes atirar à cara que ainda sabes quem sou… - “Os líricos morreram todos de fome ou de amor.” (Só se for de fome de amar) Talvez por isso sinta que não como há meses. Mas tenho demasiada raiva para lirismos, Tanta que às vezes a misturo com a serena alegria do dia-a-dia, Tanta que fico confusa quando desaparece sem que repare ou me depare com a sua ausência - Fico confusa e penso “Para onde foi o meu motor?” Mas esquece isso. A coerência nunca foi o nosso forte. Isto era sobre a lírica invenção das minhas dores que por aí andam mas não tenho a certeza de me pertencerem, Ao som do avião lá atrás e do Philip Glass cá perto, Era sobre um isolamento em que me mantenho - E bem – Pela remissão da mentira. Mas eu gosto de inventar E é da minha natureza mentir - Por isso em que é que ficamos? Era um poema da depressão de domingo que baptizei com o teu suor E vi pairada sobre cinco horas Que não existiram - Como aquele indivíduo de que te falei – E a tristeza de perceber Que já em 1946 o Frankl falava desse vazio de Domingo. O que me leva a crer que nada é sagrado E nunca houve coisas só nossas E o espaço entre nós – que eu sinto como se fosse realmente o teu corpo – É, de facto, mais sólido e extenso do que aquilo em que quis acreditar. Ao menos pude ver-te desaparecer da vista, Descer aos confins do meu prédio (como se de aos confins do meu estômago se tratasse) E – sem merdas – morrer em ti. Sou lírica, afinal. “Escrevi-te um poema” diria eu. Apagaria as luzes e do alto da minha ingénua nudez acriançada diria “Escrevi-te um poema que te quero ler.”
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Novembro 2021
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