Da amizade
Surrendered to self preservation From others who care for themselves A blindness that touches perfection But hurts just like anything else Joy Division, “Isolation”, Closer, 1980 para a Viktória e o Attila uma editora e um contabilista ambos húngaros uma poeta e outro editor ambos portugueses encontram-se num pub na noite de passagem de ano este seria o princípio de uma anedota esquecível cheia de mal-entendidos de gosto dúbio potencialmente lesivos do bom nome do Sr. Orbán mas no final Dioniso celebraria o seu triunfo sobre paisagens inóspitas o desconforto de uma linguagem pública e a barbárie da timidez quando a lebre se afinca na toca mesmo quando sabe não haver razão para temer a Primavera quando éramos mais novos era tão fácil fazermos amigos isso nunca foi verdade pudesse este poema ter seguido o seu curso natural do que não estava à espera precisamente quando me levantei para ir buscar a próxima rodada era dessa punchline peregrina telegrafada de chama em chama do mais fundo da infância até este pub em George Street não descurando nenhuma paragem e ainda assim eficaz como um clichê cardíaco pois a minha vida foi salva mais vezes do que merecia por amor e amizade do que não estava à espera quando me ergui para cantar acompanhando mortalmente a canção que tocava Joy Division creio mas é difícil saber o que quer que seja nesta vida era do súbito aparecimento pois nunca ninguém está à espera da Inquisição Espanhola * AkiPort Café para o Paulo Rodrigues Ferreira depois do trabalho os homens só querem regressar ao país que deixaram trinta anos antes o ritual é simples um pastel de nata três Superbocks e o nome da nossa senhora três vezes repetido em noite de jogo grande bem-vindos ao AkiPort Café sobre o recém-chegado o dono demora um olhar puto donde é que viestes há quanto tempo estás aqui e sem aguardar resposta começa a desfiar uma lenta e ininterrupta canção sobre viagens feudos familiares uma esposa chinesa gosto muito dela mas aquilo é gente difícil os chinocas a fraca qualidade do vinho da ilha de Wight aqueles marmanjos acham que aquela merda é vinho e dúbias técnicas de envasilhamento que ele próprio testemunhou in loco e fez por emendar a vida é uma coisa triste um tipo pisga-se de uma ilha para se vir meter noutra nisto a lenta procissão de permanentes e bigodes farfalhudos anuncia que o começo do jogo está próximo e o fantasma do Bento majestoso e sereno como no glorioso ano de 83 assombra o lugar de honra diante do televisor só então entram as mulheres quase todas fumam em silêncio desafiando as leis da vida aqui na minha casa mando eu e por fim as raparigas com lábios pintados e argolas de onde canários partiram voaram para longe rumo ao passado já não voltam mais no domingo lá nos encontramos para a final da taça tudo não passa bem sabes de um pretexto para o consumo insensato de tremoços cerveja e nostalgia e a primeira rodada é minha * “Resistance is fertile” para Hannah Wakley a Ana ainda aprende novas canções sobre árvores igualdade e solidão tudo coisas verdadeiras no quarto dela crescem árvores nas paredes com o cuidado que ela empresta ao mundo esteja a protestar contra o encerramento de mais uma linha férrea ou a brincar com o Seb o pequeno dinossauro a Ana nunca parte nada verifica que está tudo em ordem os porquinhos-da-índia alimentados a gaiola limpa um livro de Jane Austen sobre a mesa e sai para a noite como nos livros de banda desenhada de que lhe falo para combater males corrigir injustiças uma árvore de cada vez
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Novembro 2021
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