pit stop
tão distraidamente sentados no chão do posto, não é por outra coisa que bebemos as piores safras; não é por outra coisa que optamos pelo ruído de pigarro nas filas da conveniência; é parte de nosso ritual de serpentes; a pele se fere à outra pele - o pit logo fechará suas portas e nossa turma se rastejará para casa, mas voltar é o que importa, não? não é mesmo que corremos na direção errada sempre e por pura suspeição? não é mesmo que cansamos e é por isso - não por outra coisa - que, de tantos lugares, foi aqui que fincamos nossas cruzes? preste atenção nos balanços da turma; veja seus movimentos; veja que ninguém faz ideia e sonham com santa cruz de la sierra como sonham com o próximo trago; i wanna be sedated e quem não desejaria já que este local está tomado de carvoarias nas mãos dos meninos; talvez nossa urgência seja confundida com os efeitos, você sabe, os efeitos assustam os petrificados e é por isso que socamos o ar esquina a esquina acho graça que temam os sutiãs deixados em casa e o carinho entre os rapazes é engraçado e faz pensar que nenhum deles diz a verdade isto não é espanto é só uma rua em que nunca passam acompanhados e lá pras 3 encontramos outro pássaro lento, é um de nós, suas asas pequenas bastam, senta um pouco, não é por outra coisa que estamos aqui, ninguém suporta mais; veja que só hoje já pensei duas três miliquinhentas vezes em tomar o coquetel mas lembrei que no pit eu encontraria outros desistentes - do coquetel e da loucura - então senta, bebe um pouco e esquece; não se engane, a fuga não é um espaço pra conselhos i wanna be sedated e não é o suficiente, eu queria ter chupado alguns meninos indecentes: leonilson, lorca, caio e alguns amigos bonitos que me dão medo; olha pra mim, me falta forma e sabor, eu não tenho o cheiro dos meninos indecentes; o espelho mostra que nem mesmo tenho cheiro; a turma me dá forças, mas não me engano, um cão pede comida e é tudo que tenho agora preste atenção na cidade etérea; consegue ouvir o som das correntes se arrastando pelo interior das repartições e das casas muito limpas? talvez um pouco mais perto, talvez um pouco mais perto, talvez um pouco mais perto, isto não é espanto * gramofone já no final da vida quando entardecia minha vó colocava o disco do alcides neves de 1979 pra junto de meu avô (emparedado nessas tardes) lembrar quando ambos tinham força pra enfrentar suas famílias o ai-5, a falta de dinheiro e tantas outras coisas o disco, paciente, lânguido entre riscos e faixas quase perdidas os adormecia antes mesmo da terceira faixa e era minha mãe que sempre mudava para o lado b de certa forma em algum dialeto inexplicável aquela força que parecia ter passado se fazia possível, traduzida o que me causava espanto eram os indicadores se triscando trêmulos a quentura de uma mão na dormência da outra firmando seu pacto íntimo o silêncio daquelas tardes também era uma história com seu próprio idioma acendo as lâmpadas as luzes me lembram que nem mesmo as poltronas ou o gramofone (o tempo conferiu todas as bagagens) ninguém ouve mais alcides neves e agora sou eu que mudo os canais pra minha mãe as luzes me lembram como velas no quarto escuro que aquela força como um pacto, como um disco é hoje ausência química e o sofá que ocupa o espaço das velhas poltronas tem mais que o indicador levemente encostado no meu há dias - tu sabes - que é o sofá que repousa sobre meu peito ou sobre minha coluna curva ou sobre meu ânimo limítrofe e eu já nem lembro mais cada porquê de cada tatuagem que guardei pra fazer um dia o tempo e seu ritmo o nada e seus signos aos olhos de meus avós vultos postulando uma lembrança e aos meus nada o seco e absoluto pois há muito medo de ser o mínimo adormeço parece o fim congelado em nuvens ocres e já não é possível distinguir as faixas mudar para o lado b trocar de canal sem ajuda ou lembrar de quando éramos fortes * leia como se gritasse leia como se gritasse e quando te entupirem as veias com as substâncias tóxicas provenientes do rancor e do cigarro se jogue num sofá velho, recupere o ar e berre como se morresse, o direito ao urro deve ser concedido a todo cidadão revoltado com seu ponto com seu ônibus com seu sexo com seu deus é tudo pago e nada presta as fábricas não vão cessar a máquina não vai cessar não vão cessar a produção de frango o cinema iraniano moderno nem o pai de família vociferando mentiras na ponta da mesa enquanto cospe pedaços de bife no silêncio dos pratos & sob a pele do medo a violenta tatuagem anuncia a chegada de outra pele à frágil indumentária nenhuma compaixão mas chegará a noite no pequeno quarto e trancafiado três aluguéis atrasados rede e fogão você esquecerá que os vizinhos dormem que o silêncio é cardíaco e com as mãos trêmulas vai abrir a janela e ler como se arrombasse aquelas estrelas todas
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Novembro 2021
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