Eles vieram de longe, com seus cavalos domados. Não tinham face, ou melhor, a face era a mesma em cada rosto. Como nomeá-los? Cada qual ninguém podia. Eles vieram levantando poeira e espalhando mortes no caminho. Lanças em punho. Trespassando quem fosse que se pusesse, por determinação ou por desatenção, pela rota que costuravam com ímpeto sem trégua. Sede e fome foram contornando os espaços que deixavam pra trás. E o sol já não nascia. Pura noite apenas valia. Danadamente escuro. Talvez pra sempre. Sem estrela e sem lua. Breu de homem não saber mais amar. A terra pisoteada. A terra devastada de solas de cavalos robustos, domados, quem visse até pensasse assim: não são homens, são meio-cavalos, centauros, quem sabe? E eles vieram.
De longe. Mas nós não queríamos saber. Lá tínhamos tempo de ser apegar a mortes que nem eram nossas. Coisa dos outros. Eles que se carpam. De a sós? Sozinhos. Sim. Nós que não. Bem estávamos com nossos campos bem verdes e nossas fontes de translúcida água, boa de beber. Sede nenhuma. Só vez em quando, do céu branquinho de nuvens, caía um pouco de substância escura, resto de queimada, quase que sinônimo na aparência: pena de urubu. Mas não era. Era de fogo mesmo, matéria fundida. Mas longe daqui: a salvo por cá – todos. Mas eles vinham. Vinham? De longe. Longe sempre pode ficar pertinho. Longe nunca é longe muito tempo. Espaço se percorre, sem percalço ou com, de cavalo domado, rápido e ligeiro aqui estariam, se a gente prestasse atenção. Que nada. Nem muralha nem muro. Deixávamos seguir. Vida que vive: sobrevivendo. Eram três, talvez quatro, diziam. Como no livro. Cada um com seu jeito, sua malvadeza. Barriga-Vazia, Belona, DosDores e Fim. Sim. Fim assim como fim a gente escreve quando acaba a história: boa ou má que seja. Mas ainda não. Sandra até avisara, lera nos de dentro de uns bodes, que coisa ruim chegaria. Ouvidos cheios de vento, nada de ouvir: zumbido apenas o que ela dizia. Doida de pedra, se é. Deixaram de falar com ela. Fingiam nem ver. Ficou acanhada, dentro de casa, cercada de estacas, sem mais sair. Coitada de... pois é. Nem trombetas ouvimos. Só a terra a se sacudir. Tarde demais. Já. Lá no horizonte – sua linha – a comitiva vinha. Suas bandeiras hasteadas. Fuga agora. Nem há. Chegaram como se nem pudessem, vieram de onde não críamos, criamos o nosso pesadelo e real sem ser sonho aqui, nesse momento. Penoso. Eles chegaram. De. Longe. Papel, tinta e palavras? Tem de sobra. Mas quem escreveria? Acabou-se a hora. Nem sei como termina, ou quem souber, quem vai contar? Que alguém conte. Vai que se sabendo antes, desse jeito depois não se repita. Talvez logo já a lança atravesse meu peito, meu bucho, sei lá que parte e o sangue jorre. E a caravana parta levantando poeira para outras bandas. De pra lá da beira dos riachos. Sem ninguém que avise? Difícil saberem. Como nós, talvez só saibam no acima da hora: quem pode pegar de tão alta? Talvez nem vejam de onde vieram, e só sintam no minuto marcado o fim sem fim. O sol escuro. A carne aberta. E a terra trêmula.
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Novembro 2021
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