antimatéria
antes de tudo, escrevo. do contrário, apenas rabiscaria papéis em um escritório. contaria cédulas e moedas em um banco. ou trabalharia em uma repartição pública. chegaria em casa às vinte horas, faria a janta e assistiria à novela, a um filme ou ao jogo de futebol. depois, sem pensar em nada de mais, sem chance para as lucubrações, apenas esvaziaria da mente o longo dia, números, contas, asfaltos, obrigações. veria a cama, que seria somente uma cama, fecharia os olhos e dormiria. no outro dia, calçaria os sapatos, escovaria o cabelo, os dentes, tomaria o café da manhã lendo o jornal, que seria somente um jornal, e voltaria ao local de trabalho, talvez depois de brigar com o relógio, talvez pontualmente. viveria assim, burocraticamente. e enchendo-me de cotidiano, até o limite onde eu transbordaria, haveria o risco de em mim ainda caber um novo hábito: entre o céu e a terra, enxergar apenas o que é palpável. * (im)permanência meu corpo, a minha voz meus tropeços, tudo em mim será até quando, um somar anuários - de carne e osso sou sujeito a durar pouco (o que vinga a existência, acesso ao infinito, é pedra: em silêncio impondo sua forma, não murcha sob - ou sem - a água) * paradeiros alguns caminhos são tortuosos: levamo-nos (ou nos trazemos) com lentidão ou urgência - de tão labiríntica a vida, nós nem sempre sabemos onde (e quando) vamos parar. * dos devires nada é. tudo está. o corpo que habito, as chagas, as árvores, as fachadas das casas, das igrejas, os lençóis sujos dos puteiros, a saliva dos monges, as línguas bifurcadas das cobras, dos seres vivos à matéria inorgânica, tudo denuncia a passagem do tempo: existir é transmutar.
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Novembro 2021
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