Iogurte Diário
Pego na cilíndrica humidade Devagar como se faz um filho Sinto-lhe as feições escorregadias Destinadas a se amachucarem involuntariamente Sou um alpinista calculista que sobe só a montanha Para lhe tirar a neve do cume Faço cuidado para não tocar na lava fria Que ao contacto me tornará um criminoso desrespeitado Pouso paulatinamente o teto sem vida Que sem arrependimento separei do abrigo Sou um estripador faminto Agora vejo a cova nua e desprotegida Sou uma besta sem escrúpulos que me definam Cai a colher desamparada no leito consistente Perdendo-se vagarosamente de si mesma. Depois de engolida e mergulhada num sorvedouro próprio Agarra no que pode (e no que deve) e traz consigo malandros pedaços Soltos fósseis de validade atingível. Coloco a boca a jeito do soco iminente Sem nunca deixar a mão trémula Sem dar por isso a minha língua é beijada ao desbarato Por aquilo que sinto chamar de manhã Fresca, leve e impactante - assim O guião diz-me que irei sofrer de juras de sabor Nos próximos dois ciclos salivares - assim espero A arma do crime pertence à vítima Pego de novo no cume que há minutos desmembrei Sem remorsos E faço o curativo possível ao seu todo Encosto-me infeliz Afinal foi só mais um que não soube dar luta * Se todas as manhãs fossem minhas Se todas as manhãs fossem minhas Ai se todas as manhãs fossem minhas Nunca lhes mudaria o nome Seriam manhãs até amanhecer de novo Seriam assim carregadas de eternidade O que leva uma manhã a pensar que tem o direito de acabar Estão tão enganadas estas manhãs de hoje em dia Já não respeitam os conhecedores de auroras não respeitam Se todas as manhãs fossem minhas O restante dia e a posterior noite não teriam protagonismo A manhã não tem elenco A manhã constrói-se de si própria Ninguém a representa tão bem quanto ela Que ninguém sequer pense Num ato desprovido de inteligência ou emoção Em acabar com as manhãs Rasgaria o contrato da minha vida Se as manhãs não mais nascessem Dêem-me uma manhã no natal saberei guardá-la Espero que as manhãs sejam sempre manhãs Se alguma vez não o forem Podem dar o nome de injustos a todos os dias
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Novembro 2021
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