Auréolas
A maré de eucaliptos redefine os sulcos da luz na tua pele na tua barriga e em outras partes escuras dum corpo moreno sem coragem que vigia a rua primeiro de dezembro A porta aberta o sutiã florido o avental vermelho caem de vergonha do outro lado olhos sós incrédulos como esse cheiro de canela interrompido de óleos perfumados massagens tântricas sem um único toque de sino sem um único beijo preparaste o creme de chocolate meio copo de leite condensado 3 colheres de cacau em pó 3 colheres de manteiga untaste os mamilos o umbigo a jóia o anel discos do creme castanho derretem nos olhos na língua na saliva são líquidos mornos e há que respeitar a agilidade dos líquidos Levei-te à minha vontade dura como madeira imburana pulsátil cheia de fervor cheia de sangue futuro imediato maleável cera derretida para forjar ao desvanecer do dia entre as tuas mãos na tua boca um rebuçado enfiado em palito de plástico missionário inverso sempre felizes sempre em alto Sobraram depois os pedaços de gengibre que pintaram de amarelo linhas afrodisíacas inocentes no teu hálito doce sobraram também os rastos de chocolate no meu corpo e no teu colados em permanência na paranóia do pecado que ninguém vai arrancar do meu campo ninguém vai arrancar das águas viscosas do nosso quarto * Autocomiseração a guerra que dividiu Beirute em dois dividiu a língua em dois dividiu o medo em dois medo da bomba por baixo do assento medo da bala perdida de um atirador palavras que uma noite de relâmpagos não consegue apagar palavras que se escondem atrás dum eco profundo dum estoiro Caminhava na rua sozinho com dez anos um suor frio pincelava a trincha das costas a brisa do fim da tarde acariciava o pescoço sussurrava no ouvido o som retumbante das águas do Berdáuni o rio da sua primeira cidade Os buracos no alcatrão das ruelas existiam sem ninguém talvez ainda existirão a fazer companhia ao medo medo fugaz umas vezes fractal outras balão meio cheio e amarfanhado Medo de subir as escadas escuras sozinho Medo sorrateiro perante o portão de aço preto da escola Medo que levava o coração a acelerar sem razão nem arrepios Medo de alguém desconhecido com pistola bater à noite na porta do terceiro andar do prédio amarelo na ruela de cima numero três. Medo das matilhas de cães selvagens que surpreendiam o bairro na primeira semana do inverno. Medo da neve, do gelo, do cheiro do gasóleo, do cheiro da humidade de casas abandonadas, o medo das casas que ardiam mesmo em noites de frio O medo enrubesce e fragmentava-se O medo escondido na memória dos 40 sinos das igrejas de Zahlé como as migalhas duma broa de milho o medo sobrevive o arrebatamento a escatologia o devaneio o medo confecciona o seu próprio limiar a beber conhaque e apanhar ressaca todos os sábados da sua adolescência.
0 Comentários
Enviar uma resposta. |
Histórico
Novembro 2021
|
Proudly powered by Weebly