A realidade dança
Estas são as noites em que florescem lagartos, ferozes, leves, como mãos verdes agarradas ao teu pescoço; a língua perdida, disparada como um raio contra a pedra branca. Mantenho-me imóvel, não evito os movimentos atrozes que se organizam contra ti. Imóvel, sinto a electricidade a ser curvada dentro de um fio, no canto do quarto. Uma maçã, uma colher de merda, o Diabo, curvado, toca violoncelo. Ele cortou os meus cabelos, enterrou-me nos arbustos, sem cigarros. Ratos com olhos como lazers obser- vam-me porque eu estou marcado. Eu sei como a abelha treme perto do furo; eu respondo à pergunta que os néons fazem. Uma maçã, uma colher de merda, o Diabo, curvado, toca o violoncelo. Eles disseram “Tirem já esse cão das salas brancas”. Eu fechei-me no meu terror e não cantei. Veio a lua iluminar-me. Estou preso com tesão no espaço. As mãos chupam, e puxa e vai e traz, os salões de relva, a cúpula do céu, muitos, muitos átomos, a própria realidade dança. O Diabo, curvado, toca violoncelo. * Cantiga da Ermida de São Escorpião Bailando na ermida de São Escorpião Veio-me o sangue no último verão Vou escorrendo pelo caminho Vou escorrendo pelo caminho Serrando na ermida a minha toada Assim me vi em meu sangue encharcada Vou escorrendo pelo caminho Vou escorrendo pelo caminho Veio-me o sangue e comigo bailou Não apareceu o deus que me cortou Vou escorrendo pelo caminho Vou escorrendo pelo caminho Desde o último verão bailo sangrada E sou do meu sangue a estátua sagrada Vou escorrendo pelo caminho Vou escorrendo pelo caminho * O Alprazolam O Alprazolam chega pé ante pé, alastra-se em mim como leite numa superfície. Não tem medo dos ratos, dá-lhes ternamente de comer. Eles observam quietos, silen- ciosos, enquanto eu canto o fado. Fumo o cigarro longo. Choro a fumar. Até que o Alprazolam diz Chega. A voz é clara. O sono vem de fora e com as duas mãos abre-me a boca por onde entra. Deito-me. Vêm os ratinhos dormir comigo. O maço fica intacto na cómoda com três cigarros. A minha mãe não virá roubar nenhum durante a noite. Já não fuma desde que morreu com cancro. * A chave começa a funcionar, roda até onde o filho entala. Longa é a estrada e de negro vidro! Acendem-se os limões. Viajo pelo escuro até ao mar, onde a onda se ergue, onde ela se engole a si própria. Levo na boca cheia o caranguejo dançante para o salvar, da nebulosa da boca para o imenso do mar! Caminho, limões me iluminam na escuridão Benditos os limoeiros da alma porque através deles se chega ao mar. Onde no vidro negro há furos silvam papagaios subterrâneos e colo- ridos cantando o regresso ao branco, um universo modificado, tempo + tempo + tempo + enfim, àrvores diferentes, onde um bocadinho de mim. A chave roda até onde eu devo chegar; o filho abortei-o pelo caminho, pelo ar. Caminho pela estrada negra entre os luminosos limoeiros. Minuto a minuto, a dança das horas. Longa é a estrada e de negro vidro. Levo numa bandeja de prata a centopeia enorme. Irá o Senhor aceitar a minha oferenda? * O Êxtase das Bactérias No rabo se concentram as bactérias Que em furúnculos como cachos de uvas Explodem na carne mole São feras Resíduos de alguma puta impura Anal como é o meu anjo perdeu-se No labirinto pássaros de merda O General Saúde enfim rendeu-se E o meu cu está como infectada relva A doutora recomendou operar Eu não faço questão de as ter Às bactérias em êxtase, em coroa Onde o corpo mais pede dedilhar Ó - ponha normal para eu poder romper Doutora a ferida já sarada Tire os furúnculos e dê aos cães Aproveite e lamba um pouco a chaga
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Novembro 2021
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