Máscara em carvão
Com firme leveza o polegar e o indicador da mão direita seguram o lóbulo de cá. Os dedos da mão esquerda agarram sob a lateral do queixo, e ajudam a destacar o caos. Descolando em direção oposta aos anos em cativeiro. Da direita para a esquerda. Enquanto tombam a língua e os globos, enquanto se afunda e se afoga na expectativa, fuligem vaza das órbitas. Já no outro extremo não se enxerga nada suspenso. Nem estruturas de giz que deveriam apoiar nosso ponto de semelhança. Enxerga-se o que eles são: Nosso dorso seccionado em fatias atlânticas. * Apartado Acontece que hoje sinto-me apartado da semelhança. Minha comunicação formou-se estrangeira, Falta-me a coragem nos dentes para oralizar o mundo. Não tenho mito fundador que me represente. Questionáveis heróis de questionáveis virtudes Têm aqui seus nomes eternizados. Sinto-me apartado da semelhança, A terra não queima sob meus pés, Trovões emulam peitos alheios, Minha cor não é tua. A única superfície de contato A identificar é o trauma pretérito. O dorso atlântico reafirma a distância De quem foi posto a partir Para estampar outra paisagem. Sinto-me apartado de mim E dos outros que enxergo sob o sol Que, for onde for, Não me pertence. * Manequim Imagem concreta Eu me banho em sua beleza. Para mantê-la mascaro a virtude, Abraço a vaidade. Texturas sóbrias com adornos de hipnose. Diante de mim: a infinitude. Sem comunicação somos eternos. Moldura neotropical Esta beleza não te pertence; Não me pertence. A realidade me mastiga Porque a verdade te evanesce. O corpo, o movimento Alguns morfemas em rotação Arquitetam a estrutura dos músculos de sua face Para a abjeta censura da natureza. Para ti murchou o coração hipertrofiado. És fantasma opaco, Manequim de ilusão. * Balão vermelho "Quem quer brincar põe o dedo aqui, que já vai fechar o abacaxi." E foi dada a largada: Pequenos em debandada. Eufóricos, pertencentes Cada um a mesma agitação. O mundo inflava e se desmancha nos braços da mãe Como retribuição ao que o dia oferta. O tempo correu tanto (corremos tanto), Cansou tanto (cansamos tanto), Que não houve tempo para lembrar Qual a ventania que nos deslocou. Não existia a ideia do núbio e o que ele carrega. No entanto já existia a cor, a preterição. A hora era de brincar e deixar passar. Os grandes não queriam dor em nosso espírito. E que os piores dias fossem como aquele do balão perdido. Longe, na distância da memória, O mundo era um balão vermelho. * Desencantamento O chão fora cuspido Três vezes Pela mesma boca. Dizeres de promessa para que não falasse, E que nada emitisse se a tal ousasse. Assim bruxas e bruxos sujos Ameaçam de crianças a marujos Que despedaçam juntos suas ganâncias E segredos, sem medo do espiritual degredo, Em desafio à comunicação. "Que fique roxa a língua E finda rota a boca em inanição. Não beberás da poça, Não comerás do pão. Não dirás 'não', muito menos 'sim'. Cuido que tal seja teu único fim". A musculatura inchada, seca e porosa, Resiste à cultura da praga rogada. Reage, flexiona, ofende e ovaciona. Para sempre desarticulada a vontade do calar. É o que se pretende dessa gente que invade A barreira posta entre dentes. É o que se entende. O que se defende De qualquer feitiço três vezes cuspido.
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Novembro 2021
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