meu amado Vinícius de Moraes,
por algum desses motivos que, astrologicamente, explicam-se certas orfandades, eu lhe adoto mais uma vez pai de meu encanto. meu coração tem a casa dos poetas como endereço, caso desnorteado o encontrem por aí. timbrado - “da raça baixa dos vinícius”: aduladores ácidos de seus rivais, imorais sacerdotes de serenatas e assassinos cínicos do dia de trabalho em nome do amor. como bem convém não dar bobeira e saber que a firma de deus ainda não foi reconhecida e que o poema, como a mulher amada, a quem ainda não se curva resiste a paz e o arrependimento. já gosto da fortuna e empresto meu baralho a Exu porque sei que nunca me sento sozinho. por isso hoje esse gole é seu. recolhi minha canoa em itamambuca e o diz-que-diz-que dos versos lembram o velho poeta hippie de itapoã indo ao sexto casamento como um menino. (ou o “amor fati” que cantam Nietzsche, Dioniso e Max Demian.) - mas hoje quero ouvir os saíras e os tiê-sangue que me amanhecem nesse delírio em verbo extenso. ver a cadela Cora, melancólica, olhando a lua entre nós e como tudo ao redor exigindo espaço ao registro. ver o domingo escoar, constrangido entre as nossas pernas enquanto, sem pressa, seduz os sentidos de um amor em ritual. ela que atribui presságios e viu uma borboleta nos receber só me quer despenteado e de peito aberto habita um mundo de flores comestíveis e talismãs de Ossanha. na cachoeira seus olhos mudam de cor. as casas medem-se à distância do mar e já nos alcançamos sem esforço - como o sorriso de um acrobata no auge de seu movimento. então me diz como não me estender, se o encanto é como aquela metralhadora em estado de graça? como não pagar o tributo no templo de Apolo? como não escrever, se te sinto, Vinícius, sobre todos os meus muros erguendo estético um eterno perder-se em um eterno espiar-se? preciso não ser preciso se o tempo já me resume. correr o risco fluído de um viver hemorrágico que ao passo que mais me diz menos me estanca, poeta. preciso lhe escrever uma carta, cavar a terra de minhas certezas e justificar os meus instantes com o mesma entrega e a mesma nudez que paternal o inventei. e me acolhi. preciso lhe dizer que esse homem soterrado de encanto tem se orientado à canção do sol e jamais esquece de você, amigo. e que esse coração de junho anda cheirando à flores e exercita este canto frente ao olhar amado com o mesmo desespero e com a mesma ternura de reconhecer a beleza desse instante a si mesmo dito - se não por que urgente porque preciso. Ubatuba, 1 de outubro de 2018. Hora cósmica dos ratos.
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