Cantor, músico, poeta e dramaturgo. É uma das personalidades mais famosas do Líbano da geração da Guerra Civil (1975-1991). Filho da famosa cantora Fairuz e do compositor Assi Rahbani, a sua música combina vários estilos musicais com uma predominância clara de Jazz e Blues. As suas letras são conhecidas pelo estilo satírico com que ataca a sociedade e a política libanesas. Os dois poemas aqui traduzidos inserem-se nessa temática.
O tempo do Sectarismo É o tempo do Sectarismo. Sectarianis-mim e Sectarianis-ti guarda bem o teu BI, e fecha bem a mão olha a lira, que bonita! passeia livremente daqui para ali. É o tempo do Sectarismo. Cada um abre uma boutique E um quarto fica a 1000 liras seja na rua Sabra, seja na rua Kaslik. Tens 1000 liras, vales 1000 liras sejas/não importa se és druzo, católico ou budista. Malta, olhem para o comerciante! Arranja sócios dos dois lados. “A tua religião? -Que Deus te ajude com ela!” Ele pede-te algo sem te dar nada em troca. Com dele deves aprender a ser laico Em dinheiro ou em cheques. E tu que moras em Achrafieh Achra-em-mim e Achra-em-ti Tudo bem? Novidades? Juro que estou a pensar em ti O aumento dos salários seja lá ou aqui não chega nem para ti nem para mim * Oh inventores do alfabeto, da química e da física! Vocês que atravessaram os sete mares e correram antes de Colombo para as Américas vocês que extraíram a cor púrpura do murex e fizeram vidro e garrafas Porque querem saber o meu apelido? A primeira letra e a sua posição no abecedário? Deixem o meu nome e as suas letras em paz, Literalm-em-mim e literalm-em-ti Que grande vergonha mundial Oh, criadores do alfabeto! a orelha do Patrique está com Ahmed e a do Ahmed com o Patrique! Juro que quero o vosso bem! Oh, filhos do Baal e das Fénix oh cristãos, oh muçulmanos! Se vocês persistirem na mesma táctica Os cidadãos deste país vão tornar-se pagãos, judeus ou bolcheviques Oh, meu, vocês estão perdidos Entre engodos e enganos... Eu até respeito o Cedro mas o que há para além disso, ó sócio? Temos umas quantas macieiras, que dependem de Deus e do bom tempo Temos ovos com qawarma, fígado cru e vísceras de borrego Desenrascamo-nos em três línguas e sabemos beber água pela bilha Temos uma pedra com um fóssil de um peixe, Baalbak, Tiro e a Casa do Galo Temos um bom porto para a mercadoria em trânsito. Temos liberdade – “que não vejas coisas feias na tua vida!” - e o que sobra dela. Temos a época do sectarismo épocas altas, épocas baixas oh, tempo do laicismo quando te verei a ti como Metafísica? Film Ameriki Tawil (1980) * Gasolina -Querem cortar a gasolina nos próximos dias... -Mas ainda temos duas pernas... -Querem cortar a água nos próximos dias... -Abastecemo-nos nas fontes... -O frigorífico vai funcionar nos próximos dias... -Usamos a água fria dos rios... -Querem cortar a “esperança” nos próximos dias... -Esperamos por ela até ao ano 2000... É espantosa a vossa maneira de andar! Chocalham sem terem guizos! (Estão com a moca sem fumar erva) O que está a acontecer? Vocês são burros? E o filme continua e eu já conheço o filme sem precisar de o ver no ecrã... valha-me Deus... -Dizem que o pão vai esgotar nos próximos dias... -Comemos pão duro e papas. -Dizem que o leite em pó vai esgotar nos próximos dias... -A tua mãe tem duas mamas... Como é espantosa a vossa maneira de andar! Chocalham sem terem guizos! (Estão com a moca sem fumar erva) O que está a acontecer? Vocês são burros? E o filme continua e eu já conheço o filme sem precisar de o ver no ecrã... valha-me Deus... Ana Mesh Kafer (1985)
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como juncadas
tuas horas atravessam o peito tocaiam no desejo atalhos do verbo enquanto nas entranhas dos dedos opaca se inscreve a flor da angústia * it was a calm day unfolding to its laws. Only the pleasure was sharp Sharon Olds I o ruído entre a fauna no jardim e os barulhos domésticos – árvores findam em tédio II a amoreira em setembro lá na casa onde os dias passam com semelhante indiferença vingou III manso, repousado à beira do bosque, teu corpo sombrio ecoa o desterro vem, doce cigarra, canta à mata que eu, sob sono e sol, do amor roubado, me reclino à imensa sombra espraiada IV assim gasto toda minha pequenez como um riso convulsivo contra o vento anunciando seu vazio * essa raiva por ter um corpo e saber que esse corpo está no mundo além disso por ter a consciência de que a matéria desse corpo é antes dor que carne compreender que cada músculo cada nervo ou tendão foi progressivamente cedendo lugar ao medo a um incessante ódio pela vida e ao nojo pelo convívio pela partilha enclausurada desse desastre a que chamo corpo essa raiva por nunca encontrar algo além do espasmo algo além dessa luz dessa desesperada luz no minúsculo piso da mente raiva também e sempre por saber que nada nada nunca arranca a última confissão disso que em mim é corpo que nenhuma célula ou veia espraia esse terror pra fora da pele nem tampouco alcança esse lugar esse qualquer outro lugar fora do meu entendimento o corpo animal do terror é a crueldade com que maltrato qualquer ideia disso que pra mim é corpo meu corpo jamais saca o corpo debaixo da máscara e por isso nada sai nada revela a si pra fora do profundamente oculto nesse corpo raiva por esse corpo que eu bombardearia se pudesse Há coisas que sabem cair
e outras que demoram como se o espaço fosse um arbusto a ser escalado do avesso quando já não há onde segurar (como se o avesso de tudo ainda fosse o mesmo espaço em que o sol estira suas pernas cansadas) Há coisas que caem como se desertassem Há coisas que caem como se ouvissem Debussy Há coisas que caem como um piano sob as mãos de um bebê Chopin cedo demais! tarde demais! gritam as teclas sob os dedos que caem como amoras vermelhas vivas Há coisas que caem como se falassem que tinha de ser assim Olham-nos bem dentro dos olhos enquanto caem para certificarem-se de que as ouvimos bem Por último há coisas que preferem silenciar e caem como se viajassem dentro da noite num comboio vazio * Deixo-me dobrar como um cobertor bom que se guarda na mochila para a hora baixa Deixo-me por às costas bem oculto atrás dos dois pulmões do viajante Ouço como o sangue passa desde a nascente pelo corpo todo Ouço como esconde sua origem a cada passo como é uma só a montanha que me leva até o próximo inverno * A cabeça é sempre a maior parte de um alfinete Com ela o corpo todo pode aterrar-se Pode mesmo existir como se fosse não apenas algo que entremeia Pode ser como uma flor ou uma cereja * Deixo o pensamento vir digo que é bom assim que venha sem rosto apenas pernas escuras como a noite de onde veio Digo que é bom que seja assim fortuito criança sonâmbula sede noturna relevo estreito para o barco do meu afeto Digo que é bom assim que se achegue como um filho que me perdeu numa velha guerra
Órfãos
sonho constantemente com casas: em algumas nasço, outras invado formas do abandono pedidos de clemência. *** gosto de modificações corporais por uma impressão de sutura os limites convencionados até onde vai a agulha a interrupção do corpo a alíquota inevitável sobre a dor comprada. * Andrômaca para a Carol E como não tivesse amigos no Méier e não fosse homem, fui inventando outros meios de inserção. Na linguagem o jogo é sempre venal. Não há nenhum dia em que não me sinta prostituído. O mito e a história, o esforço atípico na depuração das manchas. Poemas, mercadorias. A inviabilidade da vida, de todas as espécies, a hereditariedade do abismo. Eu escolho o tempo da paranoia: nas areias nas ruínas estatuário morfético (uso ainda, por decoro, indumentária cerimonial). - Afinal, o que querem de mim? Sempre me arrancam dos braços dos outros. Eu que sou principalmente um violador de identidades um invasor de casas um debochado nas fronteiras. - Haverá mulher capaz de amar-me? Sou uma aberração, mas sou a festa daquela que me olha, artífice nos diagnósticos. Na literatura, na vida é preciso alguém que lhe diga: eu não procuro um corpo que seja possível eu procuro uma mulher para chamar de apostasia. * Nova política econômica partida ao meio, aberta para toda sorte de descalabro toda molhada de desastres se você aceitasse as desculpas as amarras de tua cadela atenta faz sempre rir a Morte com todas as máscaras e a ninguém mais ensine marcas de cigarro táticas de guerrilha a acusação do amor até o córtex na compleição das vértebras nas chicotadas me adivinha o gesto que o fogo move e no coração a ranhura |
Histórico
Novembro 2021
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